terça-feira, 22 de abril de 2008

Dois exemplos de coragem...

Coragem hoje, Abraços amanhã…

Conceição Matos nasceu em 1936 em São Pedro do Sul.

Muda-se para o Barreiro com apenas 3 anos de idade, para uma “barraca de madeira” no Bairro das Palmeiras, que partilhava com os pais e irmãos.

Inicia a sua intervenção política pela mão de seu irmão no MUD-Juvenil mas é na década de 50, após conhecer Domingos Abrantes com quem viria a casar, que ingressa no PCP.

É detida no dia 21 de Abril de 1965, sendo vítima da mais cruel e humilhante tortura jamais praticada pela PIDE.

Depois de 17 dias de isolamento em Caxias, é conduzida à Rua António Maria Cardoso.

Disseram-lhe então: "Daqui só sai para a morgue ou para o Júlio de Matos. Não sai daqui ninguém sem confessar tudo".

Ao terceiro dia do interrogatório, ininterrupto, Conceição começou a sofrer alucinações – “Via bichos nas paredes e estas moviam-se”.

Não controlava as gargalhadas quando algum dos agentes lhe dirigia a palavra.

Três dias depois, bastante debilitada, Conceição estava de volta ao edifício da António Maria Cardoso, para desta vez sofrer um dos momentos mais atrozes e humilhantes da sua detenção encabeçado pela Agente Madalena.

“Então vamos começar com o espectáculo." Abriu a porta, deixou entrar uma dezena de homens, entre agentes e inspectores da PIDE, e começou a despi-la. "Fala ou não, sua puta?!", gritou-lhe. Conceição ficou nua.

Tentaram mantê-la de pé, vestiram-na e mandaram entrar um "pide" que trazia consigo uma máquina fotográfica. "Julguei que ia morrer ali...".

Diz Conceição:"Quem vê aquele processo sabe que eu nunca falei à polícia.”

Foi em Caxias que primeiro lhe elogiaram a coragem.

“Eu disse o meu nome e quiseram saber se eu já tinha sido interrogada”. Respondi que sim e perguntaram "falaste?", "não" e eles responderam “coragem hoje, abraços amanhã".

Quando aconteceu a Revolução dos Cravos Conceição Matos estava em Paris, e Domingos Abrantes em Bruxelas.

Regressaram de imediato a Portugal.


”Só é livre, o homem que liberta.”

Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia nasceu em Matosinhos a 19 de Maio de 1941.

Cedo se envolveu na política, o que lhe valeu a primeira expulsão de um liceu no Porto.

Em 1959, depois de participar na campanha eleitoral do general Humberto Delgado, ingressa na Universidade de Lisboa, onde se forma em Filosofia pela Faculdade de Letras.

Era um conhecido contestatário do regime de Salazar entre o meio estudantil, chegando mesmo a ser expulso de todas as universidades de Lisboa devido à sua insistente oposição à ditadura.

Aderiu entretanto ao PCP e é candidato a deputado, primeiro pelo Movimento de Oposição Democrática, em 1965, e depois pela CDE (Comissão Democrática Eleitoral) em 1969.

Ainda nesse período, trabalhou na revista “Seara Nova”, onde é chefe de redacção entre 1968 e 1972.

Registado como “politicamente suspeito”, todas as suas tentativas de editar livros acabaram em apreensões sendo os seus textos publicados na Seara Nova passados à lupa pela censura.

O seu rigor várias vezes o conduziu a atitudes de puro estoicismo que, num regime repressivo como foi o do Estado Novo, resultaram em cenas de pancadaria às mãos da PIDE.

Foi preso por diversas vezes.

Numa das suas prisões, foi barbaramente torturado, sofrendo uma ruptura da retina que o cega durante dois meses e da qual nunca viria a recuperar.

Em 1971 abandona o PCP, saindo em divergência com Álvaro Cunhal, e tornando-se militante do Partido Socialista, desde a sua fundação, tendo colaborado na redacção do programa eleitoral do PS.

Foi um antifascista e um lutador pela democracia, um reconhecido exemplo de coragem moral e física.

Ficou célebre a sua frase publicada no jornal estudantil Quadrante: Só é livre, o homem que liberta.”

Viria em 1991, a receber a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.

Faleceu no dia 17 de Novembro de 2006, com 65 anos, vítima de doença prolongada.


Fontes: Jornal “O Público”,Jornal “Diário de Notícias”,Centro de Documentação 25 de Abril – Universidade de Coimbra.

5 comentários:

Anónimo disse...

Boa Tarde

Estive a ler com atenção o seu blogue, é claro que é tendencialmento pro-PS no Barreiro,é claro que isso é legitimo.
O que me parece que ficava bem era um pouco de rigor, da mesma forma que refere que Edmundo Pedro e Cardia eram militantes do PCP e abandonaram, tomando a opção politica PS, também podia referir que Conceição Matos e Domingos Abrantes, foram presos e torturados por serem Comunistas, que continuam a se-lo convictamente até aos dias de hoje.

Boa Tarde e bons posts

Pedro Santiago

São disse...

Fez muito bem em referir a história brutal de Conceição Matos. Pena é que ,mao contrário dos norte-americanos, estes temas não sejam trabalhados e divulgados nos cinemas.
Abraço, linda.

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Cara Amiga São,

Infelizmente é verdade.
Por aqui restam-nos os livros que, repletos de testemunhos, nos vão dando uma ideia da maldade humana que sempre esteve subjacente ao Regime do Estado Novo.

Recomendo vivamente "A história da PIDE", da historiadora Irene Pimentel, distinguida com o Prémio Pessoa 2007, definido pelos críticos como uma viagem ao mais negro lado da ditadura.



Um beijinho

Ana

Anónimo disse...

Boa Tarde ou Talvez Boa Noite
(Bom lusco fusco?)

Obrigado pela resposta, mas já agora em abono da verdade os exemplos como a Conceição em abono da verdade não são de "qualquer ideologia politica", pois não?
è verdade que não foram só os comunistas a lutar contra o Regime, também existiam casos como o que referiu, catolicos ou simplesmente pessoas com um sentido de justiça que não lhes permitia ficar indiferente ao Regime. TODOS ELES são dignos do nosso reconhecimento.
Mas também é verdade que existe um "lado politico actual" onde não se mexeu uma palha para combater a ditadura, antes pelo contrário ajufavam á festa e hoje andam por cá como arautos da democracia.
Enfim, peço desculpa pela extensão do texto, faz muito bem em recomendar o Livro da Irene Pimentel é fantastico, tanto esse como o outro sobre o Movimento Femenino durante o fascismo.
Qualquer dia passo por cá outra vez.

Pedro Santiago

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Caro Pedro,

Também conheço a outra obra da mesma autora que referiu e naturalmente, que partilho da sua opinião...

Volte sempre que queira.
É bem vindo.

Cumprimentos

Ana Rocha