sexta-feira, 25 de abril de 2008


Gostei muito do dia 25 de Abril de 1974.
Nesse dia a escola foi só um bocadinho e eu fartei-me de brincar.

A minha avó foi buscar-me mas parecia preocupada. Estava ansiosa que os meus pais chegassem a casa. Achei que ainda era cedo mas não disse nada.
Na televisão viam-se muitos soldados mas não havia guerra.

O meu pai foi o primeiro a chegar e vinha muito contente. Fingi que não o tinha visto a chorar pois tive medo que ficasse envergonhado.
Sentou-me ao colo dele e ficámos a ver os soldados sem guerra na televisão.

A minha mãe chegou mais tarde.
Também ela vinha muito contente e trazia na mão um molho de flores vermelhas, que eu não me lembro de ter visto antes, mas que disse chamarem-se cravos.

Os meus pais abraçaram-se e choraram, mas não estavam tristes.
A minha mãe falava muito e contava o que tinha visto.
Acho que era sobre aqueles soldados sem guerra, num sítio qualquer chamado Carmo.
Não percebi nada e achei que, naquele dia, os adultos todos se comportaram de uma forma muito estranha.

A minha mãe trouxe-me cerejas dentro de um pacote de papel castanho com risquinhas vermelhas, que eu comi em frente à televisão.
Eu adoro cerejas.

Fomos muitas vezes à varanda da nossa casa, com vista para a Avenida Alfredo da Silva, para vermos as pessoas que passavam na rua.
Eram cada vez mais e estavam tão felizes como eu quando como cerejas.
Nunca tinha visto tantas pessoas felizes juntas.

Também ouve outra coisa que gostei.
O meu pai pediu-me ajuda para fazer um "V" com as flores vermelhas que a minha mãe tinha trazido, os cravos.

Pendurámos o "V" na varanda para que todas as pessoas pudessem ver.
Ficou muito bonito. O meu pai disse que era um "V" de vitória.
Mais uma vez não percebi nada mas não quis estragar a festa com a minha ignorância.

Gostei muito do dia 25 de Abril de 1974.
Mas o que mais gostei foi das cerejas e das flores vermelhas, os cravos...

Ana Gomes Rocha

Viva a LIBERDADE!

10 comentários:

São disse...

Uma memória muito feliz , deliciosamente escrita.
Soube a cerejas, de que também gosto muito.
Um abraço apertado.

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Querida Amiga São,

Muito obrigada por mais um delicioso comentário.
Temos de comer umas cerejas juntas...

Uma beijoca especial

Ana

José Gil disse...

Ora essa é uma recordação que eu gostaria de ter, mas não tenho, pois só nasci em 75. Mas como nasci em Janeiro desconfio que o mês de Abril de 74 tenha sido "muito festivo" tão festivo que me geraram...

O texto é realmente delicioso...

Parabéns Ana.

Um beijo

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Olá Gil,

Pelas tuas contas, realmente, deve ter havido uma grande "festa".

Obrigada pelo comentário ao texto.
Efectivamente, lembro-me de muitos pormenores desses dias.

Também tenho grandes recordações do dia 1º de Maio de 74.
Fui com o meu pai ao estádio Alfredo da Silva no meio de uma multidão que nunca tinha visto.
Voltei a ver "tantas pessoas contentes ao mesmo tempo."

Recordo-me que a minha maior preocupação era que os senhores que foram lançados de paraquedas não conseguissem cair dentro do relvado...

É claro que também me lembro daquelas flores que nunca tinha visto, os cravos...

Bj.

Ana

José Gil disse...

Pois desse também não tenho...

A felicidade nessa altura era fácil de alcançar. As pessoas contentavam-se com pouco, pois vinham de uma situação, em que nada tinham.

No entanto, continuo a dizer que é necessário fazer a derradeira análise à ditadura e ao 25 de Abril. Mas de forma desassombrada, ou então corremos o risco de que os mais jovens não se revejam na nossa "imagem" de Abril e o vão progressivamente esquecendo.

Jokas

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Gil,

Infelizmente, creio que isso já acontece.
Tenho amigos bem mais novos que sentem as coisas de uma maneira completamente diferente.

Eu, apesar de na altura ser uma criança, tive a felicidade de me terem transmitido esse legado.

Acho que o mais importante é deixarmos aos mais jovens uma memória realista, embora não vazia de emoção, para que possam perceber a importância de hoje sermos LIVRES.

Como diz o nosso Camarada Edmundo Pedro, "Não apaguem da memória"...

Bj

Anónimo disse...

Conhecendo os teus pais como conheço não me espanta em nada este teu texto.
Souberam transmitir-te os valores fundamentais da vida.
Mas tenho de confirmar que é um texto "delicioso", é sim senhora.

Paula B.

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Paula B.,

Embora não saiba quem é, agradeço os seus comentários.

Volte sempre, será bem vinda.

Ana

Anónimo disse...

Tanta lamechice até enjoa...rsrsrs

Ana Gomes da Silva - Capikua disse...

Caro anónimo rsrsrs,

Recomendo vivamente que volte a ler a resposta que lhe enderecei no seu comentário ao post "Um combate pela Liberdade".

Ou pelo menos parte dela...


Ana Rocha